Irma Teixeira Cubas, na véspera dos 100 anos de idade. (Foto: acervo do autor) |
Irma Teixeira Cubas, na véspera dos 100 anos de idade. (Foto: acervo do autor) |
Nota do Blog: O presente texto é uma reprodução da página do Jornal Perfil de Rio Negrinho, publicado em 09/01/2015 (Edição nº 4086), de autoria da repórter Katia de Oliveira, a quem agradecemos.
Dona Irma completa 100 anos de vida no sábado
Dona Irma Teixeira Cubas mora
na rua Adolfo Olsen, no bairro Cruzeiro, em Rio Negrinho. É uma senhorinha com
semblante carinhoso e amigável, querida por adultos e por muitas crianças, que
fazem questão de cumprimenta-la quando ao passar na rua, a veem sentada na
varanda. O rosto da dona Irma momento algum revela sua idade. Quem para e
conversa com ela, logo percebe a voz e a consciência lúcida, que carrega as
lembranças mais remotas. Sim, quem conhece dona Irma dificilmente vai imaginar
que sábado ela completará 100 anos.
E mais surpreendente ainda é
ver como ela, que já enfrentou dezenas de dificuldades, está nervosa e ansiosa
às vésperas de completar seu centésimo aniversário. Nervosa, ela pensa numa reunião singela para
comemorar a data, ao lado de familiares
e amigos.
Mãe de quatro filhos – Donato,
Hilário (vivos), Orlando e Uriel (já falecidos) -, ela recebeu nossa
reportagem em sua casa. Apontou para o lugar em que a repórter devia sentar no
sofá de sua sala, sentou em sua cadeira predileta e, na companhia dos amigos
Osmair Bail e Orita Fernandes do Amaral e do filho Donata, ela abriu seu
coração.
Contou histórias, as suas
histórias, chorou, sorriu, colocou a mão no coração por diversas vezes, respirou
fundo e continuou seus relatos, respondendo também a algumas perguntas. Deu
lições de vida e mostrou que ela própria é uma referencia com quem se tem muito
a aprender. Afinal completar 100 anos não é para qualquer pessoa.
“Nunca pensei que ia chegar nessa idade”
Natural da cidade de Campo
Alegre, dona Irma Irma enfrentou muitas dificuldades e admitiu que ela mesmo se
surpreende por ter ido tão longe. “Nunca pensei que ia chegar nessa idade.
Todos os meus parentes se foram e eu que sofri tanto, estou aqui”, destacou.
Ela revelou que passou por muitas
dificuldades financeiras quando morava no interior de Campo Alegre. “Meu marido
chegou a me deixar várias vezes com as crianças em casa, sozinha, sem comida,
os filhos chorando.... Em uma delas, me contaram que estava viajando com outra
senhora, que tinham ido para Curitiba, enquanto nós estávamos naquela situação”,
lamenta-se, com olhar vago no horizonte.
O marido foi assassinado em um
bar de Campo Alegre (em 1944). “Eu tinha os três pequenos e o caçula na barriga
ainda. Tive que sair com eles, lá do meio do mato (localidade de Postema), a
pé, para reconhecer o corpo. Já sofri
muito”. “Ficava com o bebê no colo, com medo que chorasse e um bugre viesse mata-lo”, recorda
ela.
Sozinha, no meio do mato, como
disse, dona Irma foi até mesmo cercada por bugres, que por algumas vezes
ficavam rodeando sua casa. Na época ela tinha um filho pequeno, bebê ainda e
viveu horas de pânico. “Era muita pobreza. Meu filho nasceu em uma manjedoura,
tinha frestas na casa e os bugres ficavam à espreita. Eu tinha medo que um
deles matasse bebê, pois diziam que os bugres matavam crianças e ficava horas
lá, com ele no colo, para que não chorasse”, diz ela.
Grupo Escolar Profª Marta Tavares, local de trabalho de Dona Irma (Foto: acervo de Foto Weick) |
Em 1951, ela chega a Rio Negrinho
E o sofrimento foi contínuo
até que em 1951 sua irmã, a professora Selma Teixeira Graboski, que lecionava
Educação Física na Escola Marta Tavares, em Rio Negrinho, a convidou para
trabalhar na escola como servente.
O convite foi aceito e lá veio
dona Irma, de Campo Alegre, com seus quatro filhos. Aqui sua vida se
estabeleceu. Mas o começo não foi nada fácil. “Chegue sem nada. Não tinha
dinheiro nem para comida. Mas minha irmã, como era bem conhecida na cidade,
falou com dona Mause Olsen, que deixou eu comprar no mercado dela para pagar 30
dias depois, quando receberia o primeiro salário. Foi graças a ela e a ajuda de
outras pessoas que conseguimos sobreviver aqui”, revela.
Professora Selma Teixeira Graboski, irmã da dona Irma (Foto: acervo da família) |
No mercado do seu Urbano
Murara, relatou que comprou por muito tempo também. E tem um orgulho. “Nunca
fiquei devendo nada para ninguém”, falou, antes das lágrimas rolarem de seu
rosto. “A gente chora de alegria, chora de felicidade. São muitas lembranças”,
desabafou.
“Às vezes tinha comida, mas não tinha lenha”
Só que nem tudo se resolveu
tão facilmente para dona Irma. “As vezes tinha comida, mas não tinha lenha e
naquela época não havia fogão a gás. Foi um tempo muito difícil”. Como não podia ficar sem comer e nem deixar
que os quatro filhos sem comida, ela deu um jeito de conseguir a lenha por
algumas vezes. A iniciativa, da forma como foi feita, foi para ela motivo de
muita vergonha durante anos. Até que um dia resolveu confessar o erro e pedir
perdão. “Na escola eles compravam caminhões de lenha da Móveis Cimo. Quando eu
não tinha lenha, umas três ou quatro madeirinhas escondido e colocava em uma bolsinha.
Eu tinha vergonha de pedir, mas não tinha vergonha de pegar. Era uma situação
humilhante. Até que um dia contei para dona Orita. Ela ficou brava comigo e perguntou por qual
motivo não contei que precisava de lenha, pois ela compraria para nós”.
Durante 21 anos dona Irma
trabalhou na Escola Marta Tavares e conquistou a todos – professores,
funcionários, alunos e pais de alunos. Com humildade, disse que nunca imaginou
que era notada. “Não imaginava que reparavam em mim. Sempre gostei das pessoas,
tanto dos adultos quanto das crianças e tratava a todos com muito carinho”. “Há
dois anos, quando completei 98 anos, professores do Marta, alunos,
funcionários, fizeram um grupo e realizaram umas festa de aniversário para mim
aqui em casa. Chorei muito, a Naira até chegou aqui no portão tocando violão”,
relembrou.
Donato Cubas - filho, Osmair Bail - vizinho e amigo, Professora Orita Fernandes do Amaral - amiga e vizinha, e dona Irma (Foto: acervo do autor do Blog) |
DIFICULDADES
Dona Irma também contou que
quando seu pai ficou doente em Campo Alegre ela não tinha dinheiro para ir até
a cidade visitá-lo. Mas nem por isso se intimidou. “Pegava o trem aqui em Rio
Negrinho descia na Estação do Rio Vermelho em São Bento do Sul e de lá íamos a
pé até Campo Alegre. Eram cerca de quatro horas e meia de viagem, carregando
malas, atendendo as crianças pequenas, no frio, no calor. Diziam que por aquela
serra tinha até leão, mas eu enfrentava tudo para ver meu pai”. Como precisava
trabalhar na segunda-feira, não tinha outra opção a não ser pedir carona para
voltar para Rio Negrinho. “A gente ficava na estrada, pedindo carona para os
caminhoneiros”.
Apesar de ter sofrido muitas experiências
dolorosas, dona Irma sorri. Principalmente quando se lembra que mesmo com todas
as dores que sentiu no corpo e na alma,
nunca pensou em fazer mal para ninguém. E é com a certeza e a serenidade de
quem tem a consciência tranquila que ela deixou uma mensagem para todos. “Nunca
se faz o mal a ninguém, porque cedo ou mais tarde ele volta para quem o fez”,
diz a quase centenária mulher.
Repórter Katia de Oliveira, do Jornal Perfil, por ocasião da entrevista com a centenária Dona Irma (Foto: acervo do autor do Blog) |
FESTA NA ESCOLA
Dona Irma finalizou dizendo
que pretende viver quantos anos mais Deus lhe der. E, quem sabe, no sábado não
será ainda surpreendida aos 100 anos? É o que deve acontecer. Pois seus amigos
lhe preparam uma festa que acontecerá sábado (10/01/2015) às 15h30 no Ginásio
da Escola Marta Tavares, no Cruzeiro. Segundo dona Orita do Amaral e Osmair
Bail, que fazem parte do grupo, as pessoas, que comparecerem ao evento, podem
presentear dona Irma com fraldas geriátricas, material higiênico para idosos e
toalhas de banho brancas. Todo material será doado para a ala de geriatria da
Fundação Hospitalar. O pedido foi feito pelos familiares de dona Irma, que
preferiram fazer uma festa solidária, já que cuidam da senhora, provendo todas
as suas necessidades.
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